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Luís Cunha escreve sobre a política externa da China, a nação que se transformou num País indispensável. Também para Portugal.
Sobre o autor: é investigador, doutorado em Relações Internacionais e tem uma vasta experiência de vida na Ásia. Luís Cunha, autor de "A hora do dragão" (Zebra Publicações) e actualmente responsável pelo Gabinete de Imprensa do MNE, apresenta, em entrevista por email, uma China poderosa. E necessária. Entenda como.
Entrevista (Publicada, editada, no DE na coluna "Ideias em Estante" /edição de 13.07.12)
'China, nação indispensável'. Porquê?
De acordo com alguns observadores, o «Consenso de Pequim» terá já substituído o «Consenso de Washington», isto é, grande parte do poder económico e até político terá transitado para a capital chinesa. Embora seja uma visão demasiado redutora, na verdade a China vem assumindo um papel indispensável na agenda mundial. Pequim passou a fazer parte da rota de todos os líderes mundiais. A importância da China nas organizações multilaterais aumentou exponencialmente. No plano económico, a China, (2º economia mundial e a maior exportadora), é chamada a ajudar a UE a sair da crise, compra importantes activos, financia o FMI (onde quer ter um papel mais proeminente), investe em todos os continentes. Os interesses chineses são agora verdadeiramente globais e, nessa medida, transformou-se numa nação indispensável. Se até agora nada se fazia sem os EUA, doravante o mesmo se aplica à China. Mao dizia que o poder estava na ponta da espingarda, mas hoje o poder está na ponta da caneta que passa cheques para investimentos irrecusáveis. E muitas vezes essa caneta é «Made in China»…
A ordem mundial vai mudar? Ou já mudou...?
Nenhum paradigma é eterno. Há pouco mais de duas décadas anunciou-se o fim da História, mas, em vez disso deu-se início a um período de aceleração verdadeiramente histórico. A China é um dos principais, talvez o principal, protagonista desse virar de página que transformou o mundo. Embora fosse liderada por uma geração ortodoxa e em grande parte formada em Moscovo, teve o arrojo de abraçar a globalização e daí retirar enormes dividendos. Será, de resto, profundamente irónico se chegarmos à conclusão de que foi um estado comunista aquele que melhor se adaptou à globalização.
Pequim também não abdicou do controlo macro-económico de sectores vitais da economia e de um capitalismo de Estado que, até certo ponto, colocou a China ao abrigo das ondas de choque provocadas pela crise financeira e económica desencadeada em 2007-08. A riqueza é geradora de influência e a China, com reservas que ascendem a 3,3 triliões de dólares, sabe que em tempos de crise esse é um trunfo inestimável.
Por outro lado convém recordar que a China Popular não participou na construção da actual ordem mundial. Limitou-se a aproveitar as oportunidades estratégicas – e foram muitas - que foram surgindo ao longo do tempo. O ano de 2008 foi particularmente significativo. Em Agosto a China mostrava ao mundo todo o seu soft power nos Jogos Olímpicos de Pequim; em Setembro o Banco Lehman Brothers declarava falência, num fenómeno «asa de borboleta» com proporções globais. Desde então que o Ocidente entrou em declínio, na perspectiva chinesa, dando origem a uma postura mais assertiva por parte de Pequim. Entrámos na fase da «uni-multipolaridade», como diria Samuel P. Huntington. As autoridades chinesas não acreditam num rápido declínio dos EUA, mas presumem que seja irreversível. Em 2003 o PIB dos EUA era oito vezes maior que a China; hoje é três vezes maior.
Quais os perigos, caso existam, de termos um mundo desenvolvido nas mãos das economias emergentes?
O maior perigo será sempre o de uma grave recessão global. E ninguém tem interesse nesse cenário. As economias emergentes, a começar pela China, têm desempenhado um papel fundamental no crescimento económico global. A Alemanha, por exemplo, apostou fortemente no comércio com a China, que já ultrapassou a França como principal parceiro comercial de Berlim. Em 2007 a UE exportava menos para a China que para a Suíça. Essa situação mudou radicalmente.
Poderá Portugal tirar proveito do passado para estabelecer relações comerciais fortes com a China? Se sim, como?
Os tempos de crise aguçam o engenho. As ameaças podem e devem ser transformadas em oportunidades. E é nesse contexto que as relações bilaterais Portugal-China estão a conhecer um assinalável incremento. Em 2011 as exportações para China aumentarem 50%, e as transacções comerciais superaram os mil milhões de dólares. É de prever que no corrente ano esse número seja largamente ultrapassado. O capital de prestígio de que Portugal beneficia no Oriente, a nossa ligação histórica a Macau e a necessidade de captarmos investimento estrangeiro e, simultaneamente, abrirmos canais para as nossas exportações, são factores que podem conduzir a um momento ímpar no nosso relacionamento bilateral. A parceria estratégica com a China, assinada em 2005, vai conhecer novo fôlego. No próximo ano assinalam-se 500 anos da chegada do primeiro explorador português, Jorge Álvares, à China e isso diz tudo sobre a perenidade das nossas relações com aquela região do mundo. O nosso soft power sempre foi a nossa melhor arma.
Em termos práticos e para além dos sectores mais tradicionais nas exportações, destacaria o turismo e a área tecnológica como duas áreas de grande interesse para ambas as partes. Apenas 50.000 turistas chineses visitaram Portugal o ano passado e esse mercado tem uma grande margem para crescimento. Noutro plano recorde-se que há empresas portuguesas a entrar em sectores menos tradicionais na China com grande sucesso. Uma empresa portuguesa d software está, por exemplo, a colaborar com a agência aeroespacial chinesa.
Porque é que o mundo vê a China como uma ameaça?
A China pode ser uma oportunidade ou uma ameaça. Depende da perspectiva. Os principais aliados comerciais da China são simultaneamente aliados militares dos EUA. Vêem na China uma oportunidade em matéria de trocas comerciais e não uma ameaça. Não é seguro que pensem o mesmo em termos de segurança. Daqui decorre uma delicada balança geoestratégica. Em todo o caso, até Washington já terá chegado à conclusão de que não será possível conter a China. Embora tenha decidido voltar a atenção geoestratégica para o Pacífico e aí estacionar 60% dos seus meios aero-navais, os realistas americanos falam agora de uma co-evolução com a China.
Quais os pontos positivos e os negativos da Politica Externa Chinesa?
A capacidade para transformar recursos em estratégias capazes de obter resultados. O experimentalismo e o gradualismo colocados ao serviço de uma estratégia que visa, em última análise, a recuperação do poder de que a China desfrutou durante milénios. O «século de humilhações», correspondente ao domínio da China por parte das potências colonizadoras, deixou profundas marcas na psique colectiva chinesa. A China quer ser uma nação poderosa e assume esse objectivo abertamente. A performance económica e o nacionalismo, dois pilares de legitimação do regime, entram por vezes em conflito em matéria de política externa. O crescente poder económico conduziu a uma maior assertividade por parte da elite política chinesa
O que é que o fascina mais quando estuda a China?
Quando se fala em China convém não generalizar. Chinas há muitas: a imperial, a republicana, a nacionalista, a comunista. Curiosamente todas encaixam umas nas outras, dentro da unidade dos opostos que caracteriza a cultura chinesa. A República Popular da China tem apenas seis décadas de vida, mas uma história simultaneamente atribulada e rica. A primeira metade dessa história corresponde a um período de trevas, e a segunda metade ao despertar da China para o mundo e a entrada na globalização. A capacidade de adaptação da China e dos chineses sempre me fascinou. O pragmatismo é um dos grandes trunfos dos chineses. Como disse Deng Xiaoping: «não interessa que o gato seja preto ou branco, desde que apanhe o rato».
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