Entrevista a Fernando Nobre, candidato à Presidência, Presidente da Ami e autor de "Humanidade"
ENTREVISTA FERNANDO NOBRE Presidente da AMI
"Ser líder é ter deveres. Não é ter direitos"
Por Mafalda de Avelar, a 16 de Janeiro 2010, para o Diário Económico
O homem que não conhece apenas as realidades que descreve, sente-as
Novo livro resume a visão de Fernando Nobre sobre o Mundo
Temos que despertar para a cidadania global solidária é a grande mensagem de " Humanidade ", no novo livro de Fernando Nobre , Presidente da Assistência Médica Internacional (AMI). Participante activo da nossa sociedade, este médico, doutor em Medicina pela Universidade Livre de Bruxelas, fala das inquietudes da nossa sociedade e das mudanças necessárias para termos um mundo melhor. Utópico? Muito pouco. Ser prático está lhe no sangue, que se quer a fluir rápido quando catástrofes como a que o mundo viveu esta semana no Haiti acontecem. A AMI, diz Fernando Nobre , vai enviar 10 pessoas para ajudar. "Dinheiro para comprar cloro e medicamentos, nos países vizinhos, é o que precisamos mais. Alimentos e roupas têm um custo de transporte grande."
Este livro agora. Porquê?
Por um lado: há 30 anos que ando no terreno, a AMI faz 25 anos, tenho escrito outros livros, a falar das minhas viagens, dos meus gritos e das minhas imagens; por outro, no meu blog algumas pessoas interpelam-me para me perguntar "porque é que não nos diz um pouco mais claramente o que pensa?". Por tudo isso escrevi este livro, onde tentei estruturar algo que me permitisse responder às várias questões que as pessoas me colocam e também estruturar o meu pensamento sobre aquilo que considero serem os grandes desafios, as grandes ameaças e as esperanças para a humanidade . E já agora também para falar dos grandes desafios nacionais porque, como todo o português que se preze, também ando preocupado com o nosso país - assim como ando com a humanidade . Foi uma maneira de fazer o meu testamento filosófico e político (embora não partidário) antes de tempo. E assim surgiu este livro escrito durante as férias.
Qual a maior inquietude que sente na sociedade?
Eu acho que são as questões sociais, embora comecem a disputar as questões ambientais e éticas - dai falar (no livro) da questão da espiritualidade. (…) A espiritualidade é uma das interpelações que mais frequentemente me fazem e que mais tem transparecido nos contactos que faço na rua, nos cafés, no comboio,
Em termos de aspectos sociais - e com o desemprego a dois dígitos - como é que define esta inquietude social?
É extremamente legítima até porque nós sabemos todos que poderíamos estar além dos dois dígitos se não tivéssemos a viver uma nova onde migratória. (…) Nós sabemos que a questão financeira, económica e social está por resolver. Há um ano, quando estávamos no auge da crise, falava se da necessidade de maior regulamentação, fiscalização (…), enfim moderação nos salários, nos bónus, nos produtos financeiros. Todo esse discurso desapareceu como se não tivesse acontecido nada. Eu acho que o mundo após esta crise é um mundo que exige mudança e há que ter a coragem no mundo político global - e nacional também - para exigir aos intervenientes económicos e financeiros mudanças de atitude e de comportamento. Temos que assumir que isso não se volte a repetir. Como isto está a ser conduzido nada está garantido. Neste livro tento apelar ao extremo bom senso, ao mudar de algumas atitudes e a que os líderes entendem, de uma vez por todas, que ser líder é ter deveres. Não é ter direitos. Se assim não entendermos o que aconteceu há um ano vai se repetir e a humanidade pagará um preço muito mais elevado do que aquele que está a pagar.
A maior ênfase deste livro?
A questão da cidadania global solidária. A democracia representativa pode ser aperfeiçoada com uma quota parte de democracia participativa. (…)É a minha verdade, não é absoluta mas é aquela que eu acredito que devo exprimir porque a minha idade e a minha vivência global dá-me o dever de o fazer. Senti também o imperativo de escrever o que escrevi com toda a frontalidade. Escrevi aquilo que penso. A menos que mudemos de paradigma, de comportamento humano e de sociedade acho que está lá exactamente aquilo que sinto. Este livro é apenas isso.
Excertos do livro
espiritualidade
"Só ela, a espiritualidade, nos permitirá, com «os pés no chão e a mente no rodopio das galáxias», vencer os desafios globais que descrevo na Primeira Parte do presente livro e outras que venham a surgir e implementar as soluções as soluções esperançosas que descrevo na Segunda Parte, terminando pela mais esperançosa de todas: a espiritualidade global fraterna."
"Temos que apostar nos valores universais, tais como o amor, a ética, a equidade, a justiça, a tolerância, o perdão, a solidariedade, a fraternidade, a dignidade, a honra e o civismo…sem os quais nada será possível, nomeadamente o restabelecimento da insubstituível e indispensável confiança entre os cidadãos, o Estado e o mercado. Isso também é espiritualidade …"
democracia
Uma certeza tenho: a democracia, que em todas as minha conferencias comparo a uma papoila, não é perene.
Ela terá de resistir, de se adaptar às mudanças ou de morrer, transitoriamente, até que o sopro da liberdade lhe volte a dar vida.
migrações
As migrações internacionais são, para uns, um grande desafio e, para outros, infelizmente, uma grande ameaça… Façamos das migrações uma enorme oportunidade para a paz no Mundo e para o combate à pobreza, essa sim uma grande ameaça global.
PERFIL
O seu percurso de vida traça o seu perfil. Nasceu em Luanda, com 13 anos mudou-se para o Congo e com 16 para Bruxelas, capital onde estudou e residiu até 1985. Nesse ano veio para Portugal. Doutorado em Medicina é especialista em Cirurgia Geral e Urologia. É ainda professor catedrático e Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Mais conhecido entre nós por ter fundado em Portugal a Assistência Médica Internacional (AMI) entidade que preside, foi administrador dos Médicos sem Fronteiras na Bélgica. É membro de inúmeras organizações internacionais de renome, recebeu várias distinções - entre elas a Medalha de Ouro para os Direitos Humanos - e é reconhecido por todos como um homem de causas. Um homem que não conhece apenas as realidades que descreve, sente-as.